Estudo Crítico sobre a Aplicabilidade dos Coeficientes do SINAPI em Obras de Manutenção e Reforma

Artigo sobre SINAPI

Eng. Rogério Püten Souza

6/2/20259 min read

Introdução

O Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI), mantido pela Caixa Econômica Federal (CAIXA) em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constitui a principal referência de custos para obras públicas no Brasil, conforme determina o Decreto nº 7.983/2013. Suas Composições de Preços Unitários (CPUs) são amplamente utilizadas na elaboração de orçamentos referenciais para licitações e contratações de serviços de engenharia pela Administração Pública.

Contudo, surge um questionamento recorrente no meio técnico e nos órgãos de controle: a adequabilidade da aplicação direta dos coeficientes de produtividade, consumo de materiais e utilização de equipamentos presentes nas CPUs do SINAPI para obras de manutenção e reforma de edificações públicas. A premissa central deste estudo é que as condições sob as quais as CPUs do SINAPI são aferidas – predominantemente em cenários de obras novas – diferem substancialmente da complexidade e das particularidades inerentes às intervenções em edificações existentes.

Este artigo visa analisar criticamente essa questão, com base na própria metodologia do SINAPI, na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) e nas características técnicas que distinguem obras novas de obras de manutenção e reforma. O objetivo é demonstrar que, embora o SINAPI seja uma ferramenta essencial, seus coeficientes não devem ser adotados de forma acrítica para manutenção e reforma, sob risco de gerar orçamentos desalinhados com a realidade e potenciais prejuízos à Administração Pública.


Análise da Metodologia SINAPI e suas Implicações para Manutenção e Reforma

A análise do "Livro SINAPI Metodologias e Conceitos" (10ª Edição, 2024), principal documento que rege o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil, revela aspectos cruciais sobre a origem e aplicabilidade de suas Composições de Preços Unitários (CPUs). A metodologia do SINAPI baseia-se fortemente na "aferição" de serviços em campo, um processo detalhado de medição de produtividades e consumos em condições específicas de obra (CAIXA, 2024, p. 87-102).

Conforme descrito no Capítulo 7 – MANUTENÇÃO/AFERIÇÃO DAS REFERÊNCIAS DO SINAPI, o método de aferição busca estabelecer coeficientes de produtividade de mão de obra, consumo de materiais e eficiência de equipamentos a partir de levantamentos em canteiros de obras selecionados (CAIXA, 2024, p. 89). Esses levantamentos seguem critérios e parâmetros definidos, visando representar situações consideradas "típicas" ou "referenciais" para a construção civil, geralmente associadas a obras novas. Entretanto, o próprio documento reconhece a existência de "Características e Condicionantes de Uso" (CAIXA, 2024, p. 47) que podem afetar a aplicabilidade direta das CPUs. Fatores como condições locais, restrições de acesso, interferências com estruturas existentes e a própria natureza fragmentada e imprevisível dos serviços de manutenção e reforma podem divergir significativamente das condições observadas durante as aferições originais, que tendem a focar em cenários de construção nova, com maior controle e previsibilidade.

A metodologia de aferição, embora robusta para estabelecer um padrão referencial, pode não capturar adequadamente a variabilidade e a menor produtividade frequentemente encontradas em intervenções em edificações existentes. A complexidade inerente à reforma, que envolve demolições parciais, adaptações, trabalho em espaços restritos e a necessidade de proteger áreas adjacentes, introduz fatores que impactam diretamente os coeficientes de produtividade e consumo, potencialmente subestimando os custos reais quando se utilizam as CPUs do SINAPI sem ajustes.

O documento menciona a "manutenção" das referências (CAIXA, 2024, p. V, 17, 69, 72, 76, 87, 103, 104, 105, 118, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136), indicando um processo contínuo de atualização, mas a análise inicial sugere que a base metodológica da aferição pode ter limitações intrínsecas para refletir a realidade específica das obras de manutenção e reforma. A produtividade, um fator chave nas CPUs, é sensível a essas condicionantes (CAIXA, 2024, p. 19, 26, 39, 46, 47, 50, 52, 55, 61, 70, 72, 73, 74, 81, 89, 91, 97, 98, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 118, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136), e as médias obtidas em aferições de obras novas podem não ser representativas para o contexto de intervenções em edificações existentes.


Análise da Jurisprudência do TCU sobre SINAPI em Manutenção e Reforma

A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), embora não trate de forma exaustiva e direta a inadequação dos coeficientes do SINAPI para obras de manutenção e reforma, oferece importantes subsídios que reforçam a necessidade de cautela e adaptação ao utilizar o sistema referencial nesse tipo de intervenção. As decisões frequentemente apontam para as particularidades e a complexidade inerentes a esses contratos, exigindo um rigor maior no planejamento, orçamentação e fiscalização.

O Acórdão nº 489/2021-TCU-Plenário, ao analisar um contrato de prestação de serviços continuados de manutenção predial programada, manutenção corretiva não programada e serviços de reforma de pequeno porte, exemplifica bem essa preocupação. Embora o foco principal do acórdão tenha sido irregularidades na execução contratual, como pagamentos por serviços sem cobertura ("química contratual") e extrapolação de limites quantitativos sem aditivo, as discussões e determinações do Tribunal evidenciam a dificuldade em prever e controlar todos os aspectos de contratos dessa natureza (TCU, 2021).

A necessidade de detalhamento do objeto, justificativas para alterações contratuais, rigor nas medições e acompanhamento constante, ressaltadas no acórdão, sugerem que a simples aplicação de coeficientes padronizados, como os do SINAPI, pode ser insuficiente ou inadequada para capturar a realidade multifacetada das manutenções e reformas. A imprevisibilidade de certos serviços, a necessidade de adaptações constantes e a interação com estruturas preexistentes demandam uma análise crítica dos coeficientes referenciais.

Outras decisões e orientações do TCU, como as compiladas no manual "Licitações e Contratos – Orientações e Jurisprudência do TCU", reforçam a importância de orçamentos bem fundamentados e detalhados, especialmente em serviços de engenharia. O Tribunal consistentemente exige que os orçamentos reflitam as condições específicas da obra e que eventuais adaptações dos sistemas referenciais (como SINAPI ou SICRO) sejam devidamente justificadas (TCU, 2023). A Súmula TCU nº 258, por exemplo, embora trate de aditivos, ressalta a necessidade de os preços unitários de itens novos não excederem os de mercado, indicando a primazia da realidade sobre a simples aplicação de tabelas.

A jurisprudência, portanto, aponta para a necessidade de o gestor público, ao utilizar o SINAPI para manutenção e reforma, realizar uma análise crítica e, se necessário, promover ajustes nos coeficientes de produtividade, consumo de materiais e utilização de equipamentos, fundamentando tecnicamente quaisquer desvios em relação ao sistema referencial. A complexidade e as particularidades dessas obras exigem um tratamento orçamentário mais apurado do que a mera transposição dos dados do SINAPI, sob pena de gerar orçamentos irreais e potenciais problemas na execução contratual.


A Complexidade Intrínseca das Obras de Manutenção e Reforma vs. Obras Novas

A aplicação direta dos coeficientes das Composições de Preços Unitários (CPUs) do SINAPI em obras de manutenção e reforma encontra uma barreira fundamental na diferença de complexidade inerente a esses tipos de intervenção quando comparados às obras novas, que serviram de base para a aferição original do sistema.

Obras novas, via de regra, partem de um terreno limpo ou de uma estrutura base bem definida, permitindo um planejamento mais linear, maior controle sobre as variáveis de produção, otimização de fluxos de trabalho e alcance de economias de escala. A repetitividade de serviços em larga escala favorece a curva de aprendizado das equipes e a padronização de processos, resultando em maiores índices de produtividade, que são refletidos nos coeficientes do SINAPI.

Em contrapartida, as obras de manutenção e reforma caracterizam-se por um ambiente de trabalho substancialmente mais complexo e imprevisível. Conforme aponta a literatura técnica e a prática da engenharia, a manutenção predial visa conservar ou recuperar a capacidade funcional da edificação e de suas partes constituintes, enquanto a reforma envolve modificações para adequação de uso, modernização ou ampliação (RIOSOLUÇÕES, 2024; ZENITE, 2020). Ambas as modalidades compartilham desafios que impactam diretamente a produtividade e os custos:

1) Diagnóstico e Imprevisibilidade: Intervenções em edificações existentes frequentemente revelam problemas ocultos (danos estruturais não aparentes, instalações obsoletas ou deterioradas, vícios construtivos preexistentes) que não foram previstos no planejamento inicial. A necessidade de investigar, diagnosticar e solucionar essas questões durante a execução consome tempo e recursos adicionais, reduzindo a produtividade geral.

2) Demolições e Remoções Seletivas: Diferentemente da construção nova, a manutenção e reforma exigem demolições cuidadosas e remoção de entulho em ambientes muitas vezes restritos e ocupados, demandando mais mão de obra e cuidados para não danificar estruturas remanescentes ou áreas adjacentes.

3) Interferências e Adaptações: A integração de novos sistemas (elétricos, hidráulicos, dados) com instalações antigas, a adaptação a geometrias irregulares e a necessidade de contornar obstáculos existentes exigem soluções customizadas e um ritmo de trabalho mais lento.

4) Restrições de Acesso e Logística: O trabalho em edifícios em uso impõe restrições de horário, limitações de ruído e poeira, e dificuldades logísticas para transporte e armazenamento de materiais e equipamentos, impactando negativamente a eficiência das equipes.

5) Menor Escala e Diversidade de Serviços: As intervenções são frequentemente pontuais, fragmentadas e envolvem uma gama diversificada de pequenos serviços, impedindo a otimização e a produtividade alcançadas em frentes de trabalho maiores e mais homogêneas típicas de obras novas.

6) Proteção e Segurança: A necessidade de proteger acabamentos, mobiliário, equipamentos e, principalmente, garantir a segurança dos usuários do edifício durante a intervenção adiciona etapas e cuidados que não existem ou são simplificados em obras novas.

Essa complexidade intrínseca se traduz, invariavelmente, em menor produtividade da mão de obra e dos equipamentos, e potencialmente em maior consumo ou desperdício de materiais, quando comparado aos parâmetros aferidos pelo SINAPI em condições ideais de obra nova. Ignorar essas diferenças e aplicar os coeficientes referenciais sem uma análise crítica e ajustes devidamente fundamentados pode levar a orçamentos subestimados, resultando em dificuldades na licitação, na execução contratual e na qualidade final dos serviços, como implicitamente alertado pela jurisprudência do TCU ao exigir rigor no planejamento e controle dessas contratações.


Conclusão e Recomendações

Diante do exposto, conclui-se que a aplicação direta e acrítica dos coeficientes das Composições de Preços Unitários (CPUs) do SINAPI em orçamentos de obras de manutenção e reforma de edificações públicas não é recomendada. A metodologia de aferição do SINAPI, focada primordialmente em cenários de obras novas, não captura adequadamente a complexidade, a imprevisibilidade e as particularidades que caracterizam as intervenções em estruturas existentes.

As diferenças intrínsecas relacionadas ao diagnóstico de problemas ocultos, demolições seletivas, interferências com instalações preexistentes, restrições de acesso, menor escala de serviços e necessidade de proteção adicional impactam significativamente a produtividade da mão de obra e a eficiência dos equipamentos, tornando os coeficientes padrão do SINAPI potencialmente subestimados para essas situações.

A jurisprudência do Tribunal de Contas da União, embora não proíba o uso do SINAPI, reforça a necessidade de um planejamento orçamentário detalhado, que considere as especificidades do objeto e justifique tecnicamente quaisquer adaptações ou ajustes nos sistemas referenciais. A simples transposição dos coeficientes do SINAPI, sem uma análise crítica das condições reais da intervenção, pode levar a orçamentos inexequíveis, dificuldades na contratação e problemas na execução dos serviços.

Recomenda-se, portanto, que os gestores e equipes técnicas responsáveis pela elaboração de orçamentos para obras de manutenção e reforma:

1) Utilizem o SINAPI como ponto de partida referencial, mas realizando uma análise crítica e detalhada de cada serviço, considerando as condições específicas do local e da intervenção.

2) Promovam ajustes nos coeficientes de produtividade, consumo e eficiência sempre que as condições da obra de manutenção/reforma divergirem significativamente das premissas da aferição do SINAPI. Esses ajustes devem ser tecnicamente fundamentados em estudos específicos, dados históricos do órgão, literatura técnica ou outras fontes confiáveis.

3) Considerem a inclusão de custos adicionais relacionados a fatores de complexidade, como mobilização/desmobilização frequente de equipes, proteção de áreas adjacentes, gerenciamento de interferências, e custos indiretos específicos de intervenções em prédios ocupados.

4) Documentem detalhadamente todas as premissas, critérios e justificativas para os ajustes realizados no orçamento, garantindo a transparência e a rastreabilidade das decisões, em conformidade com as exigências dos órgãos de controle.

A adoção dessas práticas contribuirá para a elaboração de orçamentos mais realistas e adequados à complexidade das obras de manutenção e reforma, aumentando a probabilidade de sucesso nas licitações e na execução contratual, e assegurando a correta aplicação dos recursos públicos.